quarta-feira, 14 de julho de 2010

Senti-me feliz com a felicidade dele!

Chegou ao fim mais um dia de trabalho. Senti-me realizada hoje! Um turno de manha, com o serviço lotado até quase à porta, sim porque para além de camas, ainda temos macas no corredor com doentes, mas falarei disso outro dia…. Dizia eu que me senti realizada… entre os meus 7 doentes, tinha um que está na cama 34, o senhor F. que encontrei, hoje, no início do turno, com fácies triste e imobilizado dos membros superiores. Não conhecendo o doente, e tendo apenas como ponto de partida o que os meus colegas me tinham passado em turno, tentei perceber o senhor… Afinal o senhor F. é um doente orientado que apenas estava insatisfeito e agitado por estar algaliado (não tinham explicado o porquê!) e necessitar de mascara de venturi. Com autorização medica desalgaliei-o e chegamos á conclusão que afinal nem necessitava de mascara de venturi. Conclui que por vezes, devido ao número elevado de doentes passam-nos ao lado certos pormenores que são importantíssimos para o doente, direi mesmo são falhas que temos que assumir e teremos que estar mais alerta. O doente é um todo e temos que o ver de forma holística. Não temos à nossa frente uma máquina, mas sim uma pessoa! O senhor F. já está naquele serviço fazia hoje três dias e esteve sempre imobilizado com a justificação que ele tentava retirar a algália. Ninguém teve 5 minutos para o tentar perceber! Afinal o doente até tinha mesmo dor a nível do pénis porque depois ficou calminho e referiu não ter dor… O senhor F. ficou feliz e agradeceu bastante. Parece que ganhei o dia apenas com o sorriso que ele me esboçou. Senti-me realizada! È por conseguir fazer algo pelos outros num momento em que as pessoas precisam de mais carinho, que gosto tanto da minha profissão. Senti-me mesmo feliz! :D è triste por vezes os doentes e família só verem as nossas falhas, os nossos aspectos negativos e não repararem no esforço que fazemos para torna-los felizes. Usam o livro de amarelo só para fazer reclamações, mas raramente fazem um elogio.

segunda-feira, 12 de julho de 2010

Mais um aniversário!

Não posso deixar de escrever neste blogue, ainda no dia de hoje, o festejo de mais um aniversário. Imaginem!!! O aniversário do senhor da cama ao lado do senhor A. e que festejou hoje 71 primaveras, a mesma idade que festejou o senhor A. no dia 9 de Julho. È o senhor N., que tem um diagnóstico idêntico ao do senhor A., mas talvez com melhor prognóstico. Consegui ser a primeira a dar-lhe os parabéns, pois fiz o turno da noite e lá estava eu mal ele acordou.

Um acto que me fez reflectir sobre a força humana, foi a presença da filha mais velha do senhor A. no hospital, ao final do dia, para dar os parabéns ao senhor N. Como conseguia ter força para estar ali num dia tão intenso como o de hoje (dia do funeral do pai)!? Mais uma vez mostrou a garra que aquela família impele. A cumplicidade entre aquelas duas famílias e o apoio mútuo sempre foi constante e consegue ir para além do hospital. Provavelmente, agora a esposa do senhor N. irá apoiar no luto a família do senhor A. e a família do senhor A. na luta do senhor N. O que aquela filha fez hoje foi de alto valor e muito reconfortante para o senhor N. e esposa.

De salientar também que a esposa do senhor N. é uma mulher também com muita força e que age tal como a família do senhor A. Consegue estar sempre com um sorriso junto a ele, dando-lhe força. Acredito que os dois juntos vão vencer. Força e Parabéns! Já sabe senhor N. para o ano queremos que nos leve ao serviço um bolinho tal como nos prometeu! :)

A força das palavras não chegou….

Ontem, dia 11 de Julho de 2010 pelas 6 da manhã, o senhor A. faleceu. A força das palavras não chegou! Uma morte serena, presenciada pela filha mais velha que esteve sempre ao seu lado, tal como a filha mais nova, o genro e a esposa.

Hoje em dia morrer sozinho é infelizmente uma realidade. São muitos doentes internados num serviço, existem por vezes mortes inesperadas e é impossível a equipa de saúde estar sempre presente afim do doente não morrer sozinho. È importante a presença da família em situações terminais para que isso não aconteça. Como referi no outro post, a família do senhor A. era super presente e não deixou de estar presente até ao fim. Estão de parabéns pela união e por toda força que conseguiram ter. Conseguiram estar sempre com imensa força junto dele, mesmo estando a sofrer imenso pelo seu ente querido. Transmitiam-lhe energia positiva. Raramente as vi chorar junto ao senhor A.. Conseguiam ser fortes! Choravam do lado de fora da porta, apoiavam-se mutuamente, respiravam fundo e conseguiam por um sorriso junto a ele. É bom ver este carinho, ali mesmo à nossa frente. Gostaria que o nosso “cuidar” não terminasse com a morte. Ficou ali uma família, com necessidades de apoio e que não vamos conseguir acompanhar. O apoio ao luto deveria ser possível, contudo é extremamente difícil conseguirmo-lo fazer em meio hospitalar.

Mesmo sabendo que a família deste senhor nunca lerá isto, manifesto aqui o meu apoio. Coragem! Gostaria de ter conseguido fazer mais, mas tentei fazer o meu melhor. È difícil também para nós, pois não há receitas para se conseguir lidar com estes casos. A escola da vida é que nos vai enriquecendo enquanto profissionais de saúde e vamos aprendendo a dar o melhor de nós, a prestar o máximo apoio possível e da melhor forma. Sei que tenho ainda muito para aprender. A troca de experiências vai fazer com que cresça pessoalmente e profissionalmente. Confesso, esta família fez-me crescer profissionalmente, mas sobretudo fez-me crescer enquanto pessoa. Obrigada a vós por isso! Relembro umas palavras que me disse quando cuidei dele pela primeira vez “(..)Fui fundador da misericórdia daqui (…)”, ou seja um homem dedicado aos outros, que mereceu que se dedicassem a si. Descanse em paz!

sexta-feira, 9 de julho de 2010

Aniversário no Hospital

Hoje dia 9 de Julho de 2010 inicio este meu blogue: “Partilha”. Um acto já pensado há algum tempo, mas só hoje iniciado. Porquê? Porquê hoje? Porquê este blogue? Porquê o nome partilha? Pois é, perguntas simples de responder… Partilha penso ser um nome que atribuo a esta minha necessidade de transmitir os meus sentimentos ao outro. O porquê de ser hoje direi mais à frente.

Ainda não me apresentei, sou enfermeira de uma medicina, trabalho apenas há um ano e seis meses. Nesta curta minha experiência profissional posso dizer que esta profissão requer uma grande estrutura psicológica da nossa parte. Cruzamo-nos com a morte, presenciamos as alegrias, as tristezas, as vitórias, as derrotas, enfim uma mistura de sentimentos vividos pelo doente, família e amigos em que o enfermeiro procura estar sempre presente afim de apoiar, mesmo que seja com apenas com o silêncio ou um simples toque. Sabemos que vale muito! Estamos lá 24 horas/dia junto a eles. Mas…. e nós!? Quem nos presta apoio a nós!? Há dias em que o nosso coração fica num turbilhar de emoções. Hoje foi um desses dias! Em que o trabalho não ficou lá entre aquelas 4 paredes, mas me acompanhou até ao meu lar.

Infelizmente não é caso raro festejar-se aniversários no hospital. A equipa multidisciplinar tenta prestar apoio, mas nem sempre conseguimos apaziguar o sentimento de tristeza do festejo desta data não ser no lar do doente junto dos seus familiares e amigos.

Hoje, um dia de trabalho das 8 às 16 horas, presenciei mais uma festa de aniversário em meio hospitalar. Um doente metastizado, cujo seu estado de saúde tem vindo a decair visivelmente, comemorou mais um aniversário. Com uma família super presente, sempre pronta a dar-lhe a mão no que precise, juntámo-nos à festa e tentamos anima-lo com um simbólico bolo e a nossa cantoria. Penso que conseguimos tornar-lhe este dia um pouco mais feliz, mas comoveu-me o seu discurso em que a certa altura diz “se me encontrarem na rua e eu não vos falar, chamem-me à atenção pois gosto muito de vocês”. Ninguém é Deus e não sabemos o dia de amanha, nem poderemos adivinhar o desenrolar do prognóstico, mas pela nossa experiência sabemos que é um caso terminal, um caso em que provavelmente restam uns dias de vida… Aquela força de viver emocionou. As palavras de alguns familiares do doente da cama ao lado, com “Parabéns, felicidades, muitos anos de vida” foram marcantes. Quem dera que as palavras tivessem a força de cura. Pelo lugar que aquele doente já ganhou no nosso coração, pela sua ternura, eu própria lhe quero desejar muitos anos de vida e estou a torcer para que as palavras também tenham força nesta luta. Quero um dia, pelas ruas desta cidade dizer: “Senhor A. eu sou a Tânia, enfermeira da medicina, lembra-se de mim!?”.

FORÇA senhor A. e FORÇA família!